segunda-feira, maio 31, 2004

Contador de histórias

No outro dia fiquei sem travões no carro e só ontem é que liguei finalmente para a assistência em viagem para me mandarem um reboque para poder levar o carro até uma oficina ao pé de casa dos meus Pais.
O motorista do reboque era um verdadeiro contador de histórias. Numa viagem de cerca de 50 kms fiquei a saber algumas aventuras pelas quais este senhor já passou.
Aqui ficam algumas das suas histórias:

Recentemente, foi chamado para um serviço que compreendia dar assistência a uma senhora cujo carro tinha ficado sem gasolina. Quando lá chegou, explicou à senhora que este tipo de assistência não seria abrangida pelo seguro e portanto teria de pagar do seu bolso. Quando a senhora se viu confrontada com tal situação virou-se para ele e perguntou-lhe se não existia outro meio de pagamento pela assistência, ao que ele prontamente respondeu: minha senhora estou bem servido nessa matéria e não há nada que me possa dar que eu já não tenha em casa, portanto a partir deste momento terá de pagar a assistência e o parque do carro uma vez que se não paga vou levar-lhe o carro para o parque da nossa empresa.

Também há não muito tempo, vinha ele da Bélgica com um camião transportador de carros quando um sujeito num outro camião (frigorífico) lhe bateu por trás. O condutor tinha adormecido e entrou-lhe pela traseira a dentro e ficou com o pescoço cortado. O camião frigorífico ficou em cima do camião dele, entre as plataformas. Esta história rematou com um: Não viu no telejornal? Era eu.

No outro dia, o patrão dele, depois de ter mandado instalar um chip no seu Mercedes AMG 235, disse-lhe para levar o carro a dar uma volta para o testar. Visto que o carro não tinha o depósito atestado o patrão disse-lhe que levasse o cartão Galp Frota e que o atestasse. Ele aproveitou e em apenas 1,5 hr pôs-se em Matosinhos. Quando chegou à área de serviço de Matosinhos, a GNR por quem ele tinha passado há já uns quilómetros foi perguntar-lhe se achava bem vir a 270 (duzentos e setenta) kms/hr a ultrapassar pela direita. Respondeu-lhes logo que o código da estrada diz que se deve conduzir encostado à direita e quanto à velocidade, além da carta dele não ser Portuguesa, é de profissional e portanto vem lá a dizer que não tem limite de velocidade.

No decurso da viagem fiquei a saber que este nosso amigo foi, outroura, imigrante em França e que quando voltou para Portugal foram preciso 4 contentores para trazer todos os seus pertences. Num desses contentores vinha o seu carro, um Alfa Romeo 33 2.5 Tdi com mais algumas coisas por cima. Quando, no Porto de Lisboa, tentou retirar as suas coisas do contentor, a Polícia Alfandegária confiscou-lhe a viatura visto que não podia conduzir nas estradas Portuguesas. Depois de se dirigir à DGV onde esclareceu tudo e onde lhe foi dada a devida autorização para circular com a sua bomba, dirigiu-se uma vez mais ao Porto de Lisboa para finalmente resgatar o seu automóvel. Quando lá chegou os responsáveis disseram-lhe que o carro dele já lá não estava, tinha desaparecido. Foi apresentar queixa crime na Polícia Judiciária e passadas umas 2 horas já lhe estavam a devolver o carro. Entretanto há um mês atrás roubaram-lhe o carro em Lisboa e ficou a saber que uma semana depois tinha dado entrada em Moçambique – nunca mais o vejo, disse ele.

Ainda por causa das mudanças, lembrou-se de me contar outra. Há uns tempos atrás (tudo aconteceu há uns tempos atrás na vida deste homem) comprou um sofá novo lá para casa. Mas atenção que este sofá é de tal ordem grande que não entrou nem pela porta nem pela janela. Foi preciso tirarem-lhe o telhado da casa para lá meterem o sofá dentro. E eu que pensava que o meu sofá era o maio do mundo.

Quando já estavamos a atravessar Arruda dos Vinhos reparou num terreno onde estavam uns cavalos e lembrou-se de me contar de quando teve de mandar abater o cavalo preto lindíssimo que ele teve em tempos. Foi-lhe deixado numa herança e era um verdadeiro Lusitano Selvagem. Só para terem uma noção da beleza do bicho, o irmão dele é o cavalo que fez os anúncios da Shell. Os primeiros, porque entretanto esse também já morreu numas filmagens. O helicóptero ao aterrar não viu o cavalo e cortou-lhe a cabeça (tal e qual como o motorista do outro camião na auto-estrada) com uma das pás. Como nunca mais conseguiram arranjar um cavalo tão preto e bonito como este, os que usam hoje em dia são pintados com uns pós especiais para parecerem mais pretos.

Já quase a chegar ao nosso destino (graças a Deus) ainda teve tempo de me contar mais um episódio triste na sua vida atribuladíssima. Parece que a Brisa e o Estado Português lhe deitaram abaixo uma Capela Vicentina e o Jazigo da família num terreno que o falecido pai lhe deixou. Se fosse uma casa a caír aos bocados ele não se chateava muito mas, a Capela tinha o interior todo revestido a ouro e o Jazigo continha ossadas que remontam a 1414 – são muitas geraçãos, disse ele.

Já parados em frente à garagem (eu desejoso de saltar dali para fora) ainda teve tempo de me dizer que o Castelo de Chaves, por exemplo, é da família dele.

Já pensaram que se este homem soubesse escrever Português como deve ser podia ter um futuro brilhante - policiais, romances, tragédias. Mais um talento desperdiçado...