terça-feira, setembro 28, 2004

Rotina

Pequeno-almoço, caneca de leite frio e duas fatias de pão Panrico com Nutella.
Caminho para o trabalho, viro à esquerda, depois à direita, depois à esquerda, na rotunda saio na 2ª saída, sigo em frente, viro à direita, depois à esquerda finalmente à direita para o parque onde estaciono. No metro, as mesmas escadas rolantes, a mesma porta e a mesma estratégia para arranjar lugar para poder ler sentado enquanto não chego ao Rato. Na saída, sempre pelo mesmo lado, sempre de elevador. Subo a rua até ao jardim que atravesso para depois virar à direita e entrar no Pateo Bagatella.
Almoço, sempre no mesmo sítio, na mesma mesa, a mesma coisa: a sopa do dia, uma sandes com queijo fresco, uma folha de alface e umas rodelas de tomate. Não bebo nada e no fim um café e um bom bocado.
Saio do trabalho, desço até ao metro por um caminho diferente do de manhã mas sempre igual todas as tardes. No metro, o mesmo lado, as mesmas escadas, a mesma carruagem, quase o mesmo lugar.
Encontro o carro, sempre parado ao lado do mesmo Ford Fiesta que como o meu tem uns ferros para transporte de qualquer coisa ou apenas pela estética. O mesmo caminho para casa - saio do parque viro à esquerda, depois dos semáforos à esquerda novamente, sempre em frente, passo o estádio do SCP e mais à frente viro outra vez à esquerda, passo Telheiras e todo aquele movimento, o semáforo em frente ao Parque dos Príncipes raramente está verde, o que me irrita bastante, sigo em frente e no cruzamente não gosto de parar, quem vem da direita tem um sinal de perca de prioridade por isso raramente paro e muita gente se chateia e buzina. Sempre em frente e passo pela minha escola de outros tempos e menos rotina (ou talvez não). No Jardim da Luz, encosto-me à esquerda para nos semáforos da igreja virar outra vez à esquerda, primeira à direita, tiro as chaves para abrir a garagem, estaciono o carro e estou em casa.
Chego e antes de me poder sentar no sofá a ver televisão, lavo roupa, estendo roupa, apanho roupa da corda, lavo louça, faço o jantar, arrumo isto ou aquilo. Finalmente deito-me no sofá a ver televisão e a comer. Uma tosta mista, uma sopa e ice tea de manga. Uma peça de fruta no final.
Adormeço no sofá e quando venho a mim a meio da noite, cambaleio até à cama acabando de me despir entre o corredor e o quarto.
Mais um dia mais uma rotina...

Essencialmente para quem não me conhece, a minha vida não é assim. Felizmente consigo, com a ajuda de quem me rodeia, que a minha vida seja muito pouco rotineira mas por momentos imaginei como seria, uma possível rotina diária.
Quanto tempo conseguiria viver esta vida de rotina?
Mas depois, e é aqui que quero chegar, como será com outras coisas, ou melhor, como será com uma pessoa? Como será vivermos toda a nossa vida com uma outra pessoa, a mesma pessoa, todos os dias. Com os seus defeitos inalteráveis e qualidades que perdem esse estatuto por motivos de habituação. Como será acordar todos os dias ao lado da mesma pessoa, beijar a mesma boca, ouvir a mesma voz, sentir o mesmo calor, cheirar o mesmo cheiro, dia após dia? Será que sou realmente muito insensível ou concordarão comigo se disser que é quase (atenção quase) a mesma coisa que comer todos os dias a mesma coisa ao pequeno-almoço, almoço e jantar, tomar o mesmo caminho todos os dias de ida e de volta para o mesmo sítio onde trabalhamos sempre e para o resto das nossas vidas.

Soluções? Talvez hajam, mas assim de repente parecem-me algo drásticas, diferentes e radicais para o que se vive e o que se vê viver actualmente por toda a gente.
Talvez alguém me compreenda, talvez até concorde comigo.
Não quero partilhar a mesma casa contigo, não quero ter de almoçar, jantar, sequer falar ou ver-te todos os dias. Quero muito menos ter de te explicar que gosto de ti, aprecio a tua companhia, o teu carinho, a tua amizade apesar de pensar da forma que penso. Não quero ter que te dar satisfações da minha vida, do que faço ou não faço, de onde vou ou não vou. Não te quero ter a ti como a única mulher para fazer amor (qual amor, sexo puro e duro) mas também não te direi que tive com outra da mesma forma que o que eu não souber não me magoa. Não quero ter um filho, muito menos teu. Não quero que me digas o que sentes por mim tal como nunca te direi se sinto alguma coisa por ti. Não te quero como parte integrante do resto da minha vida, não quero que te dês com os meus amigos (talvez não me incomode que os conheças) e não quero definitivamente que te dês com a minha família.

(Este post não é para ninguém senão para mim mesmo, portanto que ninguém se sinta atingido(a))